O artigo 1.147 do Código Civil estabelece que não havendo autorização expressa, o alienante do estabelecimento não pode fazer concorrência ao adquirente, nos cinco anos subsequentes à transferência, e no caso de arrendamento, a proibição persistirá durante o prazo do contrato.
Por analogia, entende-se possível a aplicação deste artigo aos contratos de exclusividade entre distribuidora e postos de gasolina. O artigo 422 também do Código Civil prevê que os contratantes são obrigados a guardar, na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Interpretando-se sistematicamente estes dois artigos citados com o artigo 478 também do Código Civil, fica patente a possibilidade da aplicação estes dispositivos em conjunto, sobre os contratos de exclusividade, de execução continuada ou diferida, de longa duração e de produtos homogêneos, como ocorre entre os postos e distribuidoras.
Assim, evidente que se um posto foi contratado e bandeirado por uma determinada distribuidora, então o mínimo que espera de sua contratante, que não venha instalar outro posto com a sua bandeira dentro de sua área de influência, isto porque todo o seu investimento foi feito no sentido de obter uma determinada receita dentro daquele período contratual que teria naquele ponto.
É de um silogismo aristotélico, que se outro posto de gasolina daquela mesma marca venha se estabelecer dentro de sua área de influência, então a sua receita se reduzirá, seu lucro previsto por consequência também se reduzirá e aquele investimento que fez muitas vezes foi por água abaixo.
Por outro prisma, muitas distribuidoras, verificando o potencial de vendas daquela área de influência, para evitar que outra distribuidora ali se estabeleça, então instala novo posto naquela mesma área, com o único intuito de estabelecer uma reserva de mercado, em prejuízo daquele comerciante anterior que de boa-fé ali foi por ela contratado.
Nesses casos, é lógico que se aquele comerciante soubesse de antemão que a sua distribuidora contratante que se dizia sua parceira, iria instalar um novo posto de gasolina dentro de sua área de influência, certamente não iria assinar aquele contrato. Destarte, quando a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, então o prejudicado poderá pedir a resolução do contrato, na forma do artigo 478 do Código Civil.
A grande preocupação do legislador foi no sentido de proteger aquele estabelecimento comercial já instalado em determinado local, pois, se a sua contratante no caso, credenciar um novo estabelecimento com sua marca dentro do seu raio de influência, certamente este fato irá afetar sobremaneira o seu negócio, tornando excessivamente onerosa a sua prestação, com extrema vantagem para a distribuidora.
Em regra, ninguém assinaria um contrato de exclusividade e de longa duração com sua fornecedora exclusiva se tivesse conhecimento que aquela fornecedora instalaria um novo estabelecimento comercial em sua área de influência. Destarte, quando isto ocorre, estamos diante de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, que em tese dá direito ao prejudicado pedir a resolução do contrato, na forma do artigo 478 do Código Civil.
Inegável que se uma distribuidora de combustíveis contrata um determinado revendedor por um prazo de 05 ou 10 anos, não pode vir fomentar concorrência autofágica e prejudicial àquele comerciante que estava ali estabelecido, em benefício único e exclusivo da distribuidora que, com isso, faz a sua reserva de mercado naquela área de influência.
Por óbvio que a instalação de novo empreendimento com sua bandeira interfere sobremaneira com a natureza e viabilidade do empreendimento já instalado, quando a distribuidora, deveria resguardar condições para o exercício das atividades de seu parceiro comercial, preservando um limite territorial razoável para evitar concorrência predatória entre seus próprios revendedores em benefício unicamente dela que irá vender mais, enquanto que aquele prejudicado que já estava instalado com sua marca exclusiva passará a vender menos.
Explica-se: Se a distribuidora contrata um posto de estrada, e posteriormente credencia um outro posto com a sua marca a 1, 2, 3, 4, 5 ou 10 Km de distância, na mesma rodovia, logicamente que poderá inviabilizar aquele posto que já estava instalado, isto porque o seu potencial de vendas foi reduzido muitas vezes pela metade.
O mesmo ocorre quando em um posto de cidade, a mesma bandeira credencia outro posto na mesma quadra ou na mesma área de influência.
Enfim, o bandeiramento de postos, na área de influência do posto já bandeirado com aquela determinada marca, interfere na natureza e viabilidade do empreendimento já instalado, quando por óbvio a distribuidora deveria resguardar condições para o exercício das atividades de seu parceiro comercial, preservando um limite territorial razoável para evitar concorrência predatória entre seus próprios revendedores.
O princípio da boa-fé, positivado no dispositivo acima citado, fundamenta-se no dever das partes de agir de forma correta, eticamente aceita, antes e depois do contrato, sendo uma regra de conduta, balisadora da sociedade, construída com base nos padrões de honestidade e lisura. Nelson Nery, citado por Cristiano Imhof, ensina que:
“A boa-fé objetiva impõe ao contratante um padrão de conduta, de modo que deve agir como um ser humano reto, vale dizer, com probidade, honestidade e lealdade. Assim, reputa-se celebrado o contrato com todos esses atributos que decorrem da boa-fé objetiva. Daí a razão pela qual o juiz, ao julgar a demanda na qual se discuta a relação contratual, deve dar por pressuposta a regra jurídica (lei, fonte direito, regra jurígena criadora de direitos e de obrigações) de agir com retidão, nos padrões do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e costumes do lugar”. (Código Civil e sua interpretação jurisprudencial. Anotado Artigo por Artigo e Leis Civis Vigentes”. Florianópolis: Conceito Editorial, 2009, pág. 508)
Segundo o Enunciado nº 26 da I Jornada de Direito Civil, “A cláusula geral contida no art. 422 do novo Código Civil impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos contratantes.
Ademais, não basta efetivamente para justificar a alegada “regularidade” a conduta da Distribuidora que assim age. É que a mera invocação do princípio da autonomia da vontade e do “pacta sunt servanda” não pode servir como pretexto para a adoção de medidas claramente prejudiciais às partes contratantes, mormente ante o disposto no artigo 421 do Código Civil, “in verbis”: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”.
Patente que quando a Distribuidora não observa o direito do seu parceiro (posto), que vincula as partes os princípios da probidade e da boa-fé, impostos como limites aos contratantes nos termos do artigo 422 do Código Civil, tais circunstâncias em tese impõe efetivamente o reconhecimento do ilícito.
Não se questiona a existência de livre concorrência no ramo de atuação das partes que é positiva para o mercado, contudo, a atividade da Distribuidora, consistente na concessão de direitos de marca e distribuição de seus produtos a novos parceiros comerciais, deve ser realizada de forma a resguardar os interesses dos antigos parceiros, com observância dos critérios da razoabilidade, da proporcionalidade, da boa-fé e da função social dos contratos.
Evidente que o bandeiramento de outro Posto na mesma área de influência daquele já instalado com sua bandeira, revela-se prática deveras leonina e abusiva, apta a justificar a rescisão do contrato, pois, ao bandeirar outro posto de sua marca dentro da área de influência do posto já instalado, configura prejuízo à atividade de revenda do posto já estabelecido naquele ponto, pois, a sua receita, seu retorno de capital investido, seu lucro serão afetados em benefício único de sua fornecedora exclusiva.
Não menos importante é o fato de que a distribuidora, buscando evitar que posto revendedor de combustíveis de outra bandeira se instale em local próximo do posto de sua bandeira já ali instalado, criando um reserva de mercado, afastando a concorrência no aspecto macroeconômico, motivando no círculo microeconômico uma conduta autofágica entre seus revendedores, tendo ela distribuidora como única beneficiada.
Enfim, o bandeiramento de Posto de Revenda de Combustível concorrente pela distribuidora tido como fato superveniente, extraordinário e inesperado que eleva sobremaneira a onerosidade do contrato mantido entre as partes, o que justifica deveras a aplicação da “teoria da imprevisão” (“rebus sic stantibus”).
A aplicação da “teoria da imprevisão” para a desconsideração da vontade das partes constante de negócio jurídico exige a superveniência de evento extraordinário, imprevisível sobre o objeto da contratação.
Assim, se a contratação foi realizada pelas partes considerando o panorama mercadológico no ramo do objeto da contratação, o fato é que quando a sua fornecedora exclusiva credencia um novo posto próximo ao posto já existente, se configura efetivamente como evento imprevisível e extraordinário, tratando-se de hipótese que ultrapassa mera adversidade do cotidiano comercial.
Na verdade, quando a distribuidora na sua condição dominante, impôs concorrência predatória ao posto já instalado, alterando de forma unilateral as condições de mercado nas quais se inseria a atividade de revenda exercida pelo Posto já existente, modificou o cenário que existia na época em que foi contratado.
Ademais, em regra, em situação como esta a distribuidora, limita-se a exigir o cumprimento do contrato ou o pagamento da cláusula penal nos termos originalmente pactuados, o que não se pode deveras admitir.
Destarte, quando a distribuidora instala posto revendedor de mesma bandeira em proximidade do outro já existente, está a desencadear nítida e predatória concorrência, notadamente, por meio de divisão de clientela, pois, altera as condições do mercado relevante explorado pelo revendedor outrora estabelecido com os vetores contratuais originários, criando dificuldades ao seu funcionamento ou ao seu desenvolvimento, violando também do artigo 36, IV, da Lei antitruste.
Enfim, a instalação de novo posto, da mesma bandeira, dentro da área de influência do posto já instalado, ofende em tese a boa-fé contratual, desencadeia fato superveniente extraordinário e imprevisível que leva o contrato à onerosidade excessiva, facultando-se à parte ofendida o direito de pedir sua resolução, (art. 478, CCB), até mesmo para que sua sobrevivência seja preservada.